Introdução
Em julho de 2025, o Brasil enfrenta uma crise institucional desencadeada pela disputa em torno do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que opõe o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional. A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 96) para reverter a derrubada, pelo Legislativo, do Decreto Presidencial nº 12.499/2025, que elevava as alíquotas do IOF. A decisão do governo de judicializar o conflito foi interpretada por parlamentares como uma “declaração de guerra”, intensificando a tensão entre os Poderes Executivo e Legislativo. Este artigo explora o contexto, os argumentos de cada lado, as implicações políticas, econômicas e jurídicas, e as perspectivas futuras dessa crise, que reflete questões mais amplas sobre separação de poderes e política fiscal no Brasil.
Contexto da Crise
No final de maio de 2025, o governo Lula editou o Decreto nº 12.499/2025, aumentando as alíquotas do IOF em operações de crédito, câmbio e seguros. A medida, proposta pelo Ministério da Fazenda, sob Fernando Haddad, visava arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em 2025 e R$ 30 bilhões em 2026, reforçando o caixa federal para cumprir as metas do arcabouço fiscal e evitar cortes em programas sociais, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Auxílio Gás. O IOF, um imposto regulatório, pode ter suas alíquotas alteradas por decreto presidencial, conforme o artigo 153, inciso V, parágrafo 1º da Constituição Federal, que permite ao Executivo ajustar o imposto dentro do limite legal de 1,5% ao dia, conforme a Lei nº 8.894/1994.
A proposta, no entanto, enfrentou forte resistência. Setores produtivos, como indústria, comércio e agronegócio, argumentaram que o aumento do IOF elevaria o custo do crédito, impactando negativamente a economia em um cenário de taxa Selic a 15%. Parlamentares, incluindo aliados do governo, pressionados pelo setor privado e insatisfeitos com a liberação de emendas, também se opuseram. Em 25 de junho de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 214/2025) por 383 votos a 98, sustando os decretos presidenciais relacionados ao IOF (12.466/2025, 12.467/2025 e 12.499/2025). O Senado confirmou a decisão em votação simbólica no mesmo dia, marcando a primeira vez em mais de 30 anos que o Congresso derrubou um decreto presidencial dessa natureza — a última ocorrência foi em 1992, no governo Fernando Collor.
A Judicialização: Ação no STF
Em 1º de julho de 2025, a AGU, representando o governo Lula, protocolou a ADC 96 no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A ação busca:
- Confirmar a constitucionalidade do Decreto nº 12.499/2025, argumentando que ele respeita a competência exclusiva do Executivo para alterar alíquotas do IOF, conforme a Constituição.
- Anular o Decreto Legislativo nº 176/2025, que sustou o aumento do IOF, por violar o princípio da separação de poderes.
- Conceder uma liminar para restabelecer imediatamente os efeitos do decreto presidencial, enquanto o STF julga o mérito.
Argumentos da AGU
A AGU, liderada pelo ministro Jorge Messias, sustenta que:
- O IOF é um imposto regulatório, e a Constituição confere ao Executivo a prerrogativa de alterar suas alíquotas sem aprovação legislativa, desde que respeitado o teto legal.
- A sustação do decreto pelo Congresso só seria válida em casos de “patente inconstitucionalidade” ou abuso de poder, o que não ocorreu, segundo estudo técnico-jurídico solicitado por Lula.
- A derrubada do decreto gera uma perda de arrecadação de R$ 12 bilhões em 2025, comprometendo o equilíbrio fiscal e forçando cortes em políticas públicas essenciais.
- A ação do Congresso criou insegurança jurídica, pois o decreto já havia gerado efeitos tributários em junho, com arrecadação e fatos geradores consolidados.
Messias enfatizou que a ação é “técnica, não política” e que o governo informou previamente os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), por meio da ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Ele negou intenções de confrontar o Congresso, destacando o “profundo respeito” de Lula pelo Legislativo e a busca por diálogo político paralelo à via jurídica.
Reação do Congresso
A decisão de judicializar a questão foi recebida com indignação por parlamentares, que acusaram o governo de desrespeitar a soberania do Legislativo. Líderes da oposição, como o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) e o senador Izalci Lucas (PL-DF), classificaram a ação como uma “declaração de guerra” e uma tentativa de enfraquecer o Congresso. O presidente da Câmara, Hugo Motta, negou ter traído acordos com o governo e destacou os 383 votos favoráveis à derrubada do decreto, incluindo deputados de esquerda, centro e direita, refletindo um amplo consenso contra o aumento do imposto.
Parlamentares argumentam que:
- O aumento do IOF foi usado como instrumento de arrecadação, não de regulação, o que contraria o propósito do imposto.
- A derrubada do decreto reflete a vontade popular, representada pelo Congresso, em um contexto de alta carga tributária e dificuldades econômicas.
- A judicialização é vista como uma tentativa de contornar o debate democrático, reforçando uma percepção de “dobradinha” entre o Executivo e o STF, especialmente após conflitos recentes sobre emendas parlamentares.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu a judicialização como uma defesa das prerrogativas constitucionais do Executivo, negando que seja um enfrentamento ao Congresso. No entanto, até mesmo aliados, como o vice-presidente do PT, Washington Quaquá, criticaram a ação, argumentando que “política se resolve na política”.
Implicações da Crise
1. Tensão Institucional
A judicialização do IOF aprofunda a crise entre Executivo e Legislativo, que já enfrentam atritos em pautas como a liberação de emendas e a taxação de títulos financeiros (LCI, LCA e debêntures). A percepção de que o governo recorre ao STF para reverter derrotas políticas pode dificultar a tramitação de projetos prioritários, como a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. O presidente Lula, em entrevista à TV Bahia em 2 de julho de 2025, defendeu a ação, afirmando: “Se eu não for à Suprema Corte, eu não governo mais. Cada macaco no seu galho”.
2. Impacto Fiscal
A derrubada do aumento do IOF representa uma perda de R$ 12 bilhões em 2025, segundo a AGU, forçando o governo a contingenciar despesas ou buscar novas fontes de arrecadação. O ministro Fernando Haddad destacou a necessidade de manter o aumento do IOF, aprovar uma medida provisória que eleva tributos e cortar R$ 15 bilhões em benefícios fiscais para cumprir a meta de déficit zero em 2025. Alternativas, como a taxação de dividendos ou a revisão de isenções, também enfrentam resistência no Congresso, agravando o desafio fiscal.
3. Precedente Jurídico
O julgamento no STF, sob relatoria de Alexandre de Moraes, pode estabelecer um precedente sobre os limites das prerrogativas do Executivo e do Congresso em questões tributárias. A AGU cita jurisprudência do STF que limita a sustação de decretos pelo Congresso a casos de “flagrante inconstitucionalidade”. No entanto, especialistas como Georges Humbert e Vera Chemim argumentam que a sustação de decretos é um mecanismo legítimo de controle do Legislativo, previsto no sistema de freios e contrapesos, especialmente quando o aumento do IOF visa arrecadação, não regulação.
4. Repercussão Econômica
A derrubada do aumento do IOF foi bem recebida pelo setor privado, que temia o encarecimento do crédito. No entanto, a incerteza sobre a decisão do STF mantém o mercado em alerta, com o dólar subindo para R$ 5,46 após a disputa. O governo defende que o aumento do IOF é uma medida de “justiça tributária”, impactando principalmente os mais ricos, enquanto críticos apontam que ele eleva custos para toda a cadeia econômica.
5. Discurso Político
Lula e Haddad têm defendido o aumento do IOF como parte de uma agenda de “justiça tributária”, criticando a resistência do Congresso como uma defesa de privilégios de setores ricos. Essa retórica, no entanto, tem irritado parlamentares, que acusam o governo de adotar um discurso de “nós contra eles”. O líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes, afirmou que “o governo quer pintar o Congresso como vilão, mas quem aumenta imposto sem diálogo é o governo”. A polarização política pode dificultar negociações futuras, especialmente em um ano pré-eleitoral (2026 será ano de eleições municipais).
Perspectivas Futuras
No STF
O ministro Alexandre de Moraes, que está de plantão durante o recesso do Judiciário em julho de 2025, pode emitir uma decisão liminar a qualquer momento, restabelecendo ou não o aumento do IOF. O julgamento do mérito, no entanto, deve ocorrer após o recesso, provavelmente em agosto, com potencial de polarizar ainda mais o debate. Especialistas acreditam que o STF pode optar por uma solução intermediária, reconhecendo a competência do Executivo para alterar o IOF, mas limitando seu uso para fins regulatórios, não arrecadatórios.
No Congresso
Parlamentares sinalizam disposição para negociar alternativas ao aumento do IOF, como cortes de gastos discricionários ou outras fontes de arrecadação. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, indicou a possibilidade de um “pacto fiscal” para evitar novos confrontos, mas exigiu maior diálogo do governo. A oposição, por sua vez, promete obstruir pautas governistas enquanto a ação no STF estiver em curso, o que pode atrasar projetos como a reforma tributária e a regulamentação do mercado de carbono.
No Executivo
O governo tenta equilibrar a defesa de suas prerrogativas constitucionais com a necessidade de evitar um confronto aberto com o Congresso. O ministro Fernando Haddad tem intensificado conversas com líderes parlamentares para propor medidas compensatórias, como a revisão de benefícios fiscais para setores específicos. No entanto, o clima de desconfiança persiste, especialmente após a judicialização. Lula, em pronunciamento em 2 de julho, afirmou que “não vai ceder a pressões de quem quer manter privilégios” e defendeu a ação no STF como uma “defesa da Constituição”.
Repercussão Social
A crise também reverbera na sociedade. Entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação do Comércio de São Paulo (FecomercioSP) elogiaram a derrubada do aumento do IOF, enquanto movimentos sociais, como a CUT, defendem o governo, argumentando que a arrecadação é essencial para programas sociais. Nas redes sociais, a hashtag #IOFNão ganhou tração, com críticas tanto ao governo quanto ao Congresso, refletindo a insatisfação popular com a alta carga tributária.
Conclusão
A crise do IOF expõe uma tensão profunda entre o Executivo e o Legislativo, marcada por divergências sobre política fiscal, separação de poderes e prioridades econômicas. A ação no STF, embora ancorada em argumentos jurídicos sólidos da AGU, é vista por parlamentares como uma tentativa de contornar a vontade do Congresso, agravando a crise institucional. O desfecho no STF será crucial para definir os limites das prerrogativas de cada poder e o futuro da política fiscal do governo Lula. Enquanto isso, a polarização política e a incerteza econômica desafiam a capacidade do governo de avançar sua agenda, em um contexto de pressões internas e externas. A resolução dessa crise dependerá de diálogo político, clareza jurídica e um esforço conjunto para equilibrar as demandas fiscais com as expectativas da sociedade.