Uma Nova Era para as Criptomoedas no Brasil
Na noite de 11 de junho de 2025, o governo brasileiro publicou a Medida Provisória 1.303/2025, um documento que promete redefinir a relação entre o fisco e o mercado de criptomoedas. Com uma alíquota fixa de 17,5% sobre ganhos de capital e o fim da isenção para operações de até R$ 35 mil mensais, a medida gerou reações imediatas: de entusiasmo entre alguns economistas a indignação entre investidores e especialistas do setor. Mas o que essa mudança realmente significa? E será que ela vai cumprir o objetivo de aumentar a arrecadação sem sufocar um mercado em ascensão?
A MP surge como parte de um pacote para compensar a recusa do Congresso em aprovar um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), prometendo injetar R$ 20 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026 nos cofres públicos. Assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ela entra em vigor imediatamente, mas ainda depende de aprovação legislativa até 28 de agosto. Até lá, o texto já provoca um terremoto no universo cripto.
O Que Muda com a MP 1.303/2025?
Antes da MP, a tributação de criptomoedas seguia uma tabela progressiva: 15% para ganhos até R$ 5 milhões, subindo até 22,5% para valores acima de R$ 30 milhões, com isenção para lucros mensais de até R$ 35 mil. A nova regra unifica tudo em 17,5%, eliminando essa faixa de isenção e aplicando a taxação a todas as operações, independentemente do volume. Além disso, a apuração passa a ser trimestral, permitindo compensação de prejuízos dentro de cinco trimestres, desde que sejam relacionados a criptoativos.
A medida também atinge a autocustódia — quando o investidor guarda suas chaves privadas — e operações em plataformas descentralizadas (DeFi), algo inédito no Brasil. Exchanges nacionais terão de reter o IR na fonte para rendimentos como staking, enquanto transações internacionais passam a ser monitoradas mais de perto. Stablecoins, como Tether (USDT), podem ser enquadradas como operações de câmbio, dependendo de regulamentações futuras do Banco Central.
Impactos no Mercado: Oportunidade ou Ameaça?
O governo aposta que a padronização trará maior controle fiscal e legitimidade ao setor, estimulando um ambiente mais seguro para investidores. Economistas como Sergio Vale, da MB Associados, veem potencial para atrair grandes players, já que a taxação fixa simplifica o planejamento financeiro. A previsão de arrecadação bilionária reforça essa narrativa, com o Ministério da Fazenda destacando a necessidade de equilibrar as contas públicas.
Por outro lado, o mercado cripto reage com cautela. A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) chama a medida de “retrocesso”, argumentando que ela penaliza pequenos investidores — cujo tíquete médio fica abaixo de R$ 1 mil — e pode empurrá-los para exchanges estrangeiras ou plataformas DeFi, onde a fiscalização é mais fraca. Advogados como Lorena Botelho, do Urbano Vitalino Advogados, alertam que essa migração poderia reduzir a arrecadação a longo prazo, contrariando os objetivos do governo.
Outro ponto de tensão é o impacto nas exchanges nacionais. A Bitso, por exemplo, já sinalizou que o aumento da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a retenção na fonte podem elevar custos operacionais, afetando a competitividade frente a plataformas internacionais. Para alguns, isso pode acelerar a descentralização, com carteiras como MetaMask ganhando terreno.
Reações e Contradições no Congresso
A MP dividiu o Congresso desde o início. O líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (AP), defendeu a medida como necessária para conter a “epidemia” de apostas online e financiar a saúde pública, mas a taxação das criptomoedas gerou resistência. Deputados como Eros Biondini (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) apresentaram emendas para barrar o Capítulo V da MP, que trata dos ativos virtuais, alegando abuso de poder regulamentar e impacto em um setor ainda em desenvolvimento.
Há uma contradição clara: enquanto o governo busca regular o mercado cripto, a pressa na taxação ocorre antes mesmo da conclusão das normas pelo Banco Central, esperadas para o segundo semestre de 2025. Especialistas como Luiz Parreira, CEO da Bipa, veem nisso um sinal de regulamentação iminente, mas outros, como o Mercado Bitcoin, criticam a falta de diálogo com o setor. Posts em redes sociais amplificam o descontentamento, com investidores chamando a medida de “confisco disfarçado”.
Perguntas que o Mercado Faz
Será que a taxação de 17,5% vai desestimular o investimento em criptomoedas? Para pequenos investidores, o fim da isenção pode ser um golpe, já que cada operação agora será tributada. Um exemplo: quem lucra R$ 10 mil em um trimestre pagará R$ 1.750 de IR, algo impensável antes. Já para grandes players, a alíquota fixa pode ser vantajosa, reduzindo a carga em operações acima de R$ 30 milhões, antes taxadas a 22,5%.
E o que acontece com quem já opera no exterior? A falta de clareza sobre a fiscalização de exchanges internacionais abre espaço para evasão fiscal, um risco que o governo parece subestimar. Além disso, a inclusão de rendimentos como staking na taxação levanta dúvidas: como calcular o lucro em ativos voláteis como Ether?
O Futuro do Mercado Cripto no Brasil
A MP 1.303/2025 está em um momento crítico. Se aprovada como está, pode consolidar as criptomoedas como ativos financeiros legítimos, mas a preço de alienar parte da base de investidores. A migração para o exterior já é uma realidade em discussão, e a pressão do Congresso pode forçar ajustes, como a volta da isenção ou uma alíquota mais baixa.
Enquanto isso, o setor cripto se mobiliza. A ABcripto e o Mercado Bitcoin pressionam por diálogo, e emendas no Congresso podem alterar o texto. O Banco Central, por sua vez, terá um papel decisivo ao definir as regras para stablecoins e DeFi, que podem mudar o jogo até 2026, quando a medida entra em pleno vigor.
O que parece certo é que o Brasil está em um ponto de virada. A taxação pode ser um passo para a maturidade do mercado, mas sua execução apressada e os impactos incertos deixam um gosto amargo. Será esse o caminho para um futuro regulado ou o início de um êxodo cripto? A resposta ainda está nas mãos do Congresso e dos investidores.