O recente Projeto de Lei Complementar (PLP) 177/23, aprovado pelo Congresso Nacional em 25 de junho de 2025, eleva o número de deputados federais de 513 para 531, a partir da legislatura de 2027. Vendido como uma medida para corrigir desproporcionalidades populacionais com base no Censo de 2022, o projeto é, na prática, um atentado contra o bolso do contribuinte brasileiro e uma demonstração de desrespeito às prioridades do país. Em um momento de crise fiscal, aumento de impostos e cortes em áreas essenciais como saúde e educação, a criação de 18 novas cadeiras na Câmara dos Deputados, com impacto orçamentário estimado em pelo menos R$ 64,6 milhões anuais, é um escárnio que agrava desigualdades e ignora a vontade de 76% dos brasileiros, que rejeitam a medida, segundo pesquisa Datafolha.
Um Custo Absurdo em Tempos de Crise
A Diretoria-Geral da Câmara estima que cada novo deputado custará, em média, R$ 3,6 milhões por ano, totalizando R$ 64,6 milhões anuais apenas para as 18 novas cadeiras federais. Esse valor cobre salários, verbas de gabinete, auxílio-moradia, passagens aéreas e outros benefícios. No entanto, o impacto real é muito maior devido ao chamado “efeito cascata” nas assembleias legislativas. A Constituição determina que o número de deputados estaduais seja o triplo dos federais (até o limite de 36, acrescido do excedente acima de 12). Com o aumento, nove estados ganharão 30 novas vagas estaduais, gerando um custo adicional de pelo menos R$ 111,9 milhões por ano, segundo a Agência Pública. Somando os impactos federal e estadual, o custo total pode chegar a R$ 845 milhões em quatro anos, ou R$ 211,25 milhões anuais, considerando também as emendas parlamentares de R$ 37,3 milhões por deputado federal em 2025.
Em um país onde o Ministério da Saúde enfrenta críticas por mortes evitáveis de indígenas Xavante e o orçamento de 2023 para a atenção básica caiu de R$ 34,4 bilhões para R$ 28,5 bilhões, destinar mais de R$ 200 milhões anuais para sustentar políticos adicionais é indefensável. A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) sintetizou o absurdo: “Diante de tantas urgências e necessidades reais, não tem cabimento a Câmara discutir isso. Ainda mais considerando o impacto orçamentário que traz.” Enquanto o governo luta para manter o déficit fiscal próximo de zero, conforme o arcabouço fiscal (Lei Complementar 200/23), o Congresso sabota os esforços com uma medida que prioriza interesses políticos regionais em detrimento do bem-estar coletivo.
Desvio do STF e Proporcionalidade Questionável
O PLP 177/23 foi motivado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de agosto de 2023, que exigiu a atualização da representação proporcional com base no Censo de 2022 até 30 de junho de 2025. A solução lógica seria redistribuir as 513 cadeiras existentes, como previsto na Lei Complementar 78/93, mas o Congresso optou por criar novas vagas para evitar perdas em estados como Rio de Janeiro, Bahia e Paraíba, que seriam penalizados. Essa escolha, liderada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e pelo relator, Damião Feliciano (União-PB), é um claro “jeitinho brasileiro” para proteger interesses regionais e perpetuar o peso político de certas bancadas.
O argumento de que o aumento corrige desproporcionalidades é frágil. O consultor legislativo Clay Teles aponta que a medida não resolve distorções, como a diferença entre Amazonas (10 deputados) e Paraíba (12 deputados), apesar de populações semelhantes. O projeto beneficia estados como Pará e Santa Catarina (+4 cadeiras cada), mas mantém desigualdades estruturais, já que estados menores, como Piauí, continuam super-representados. O relator justificou o aumento de 3,5% nas cadeiras como “modesto” frente ao crescimento populacional de 40% em 40 anos, mas ignora que a redistribuição das cadeiras existentes atenderia à decisão do STF sem onerar o contribuinte.
Rejeição Popular e Falta de Transparência
A rejeição popular é esmagadora: 76% dos brasileiros são contra o aumento, segundo o Datafolha. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) chamou a proposta de “escárnio com a população brasileira”, enquanto o usuário @EderMauroPA destacou o custo de R$ 64 milhões anuais “saindo do seu bolso para bancar mais políticos”. A votação no Senado, realizada em 25 de junho de 2025 por 41 a 33 votos, ocorreu em uma sessão semipresencial durante as festas juninas, o que o senador Eduardo Girão (Novo-CE) criticou como falta de debate e transparência. A pressa para cumprir o prazo do STF não justifica a falta de diálogo com a sociedade, que clama por austeridade.
Alternativas Ignoradas e Interesses Escusos
O Congresso poderia ter seguido a recomendação do STF e redistribuído as 513 cadeiras, mas preferiu uma solução que preserva o status quo de estados perdedores e aumenta gastos. A emenda do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que limita o impacto a R$ 10 milhões anuais até 2030 ao congelar verbas de gabinete e outros custos, é uma tentativa de mitigação, mas não elimina o problema. O senador Rogério Marinho (PL-RN) criticou a subestimação de gastos, como os R$ 11 bilhões para benefícios previdenciários no Orçamento de 2025, sugerindo que o aumento de deputados é mais um exemplo de má gestão fiscal.
A deputada Jack Rocha (PT-ES) defendeu que o aumento poderia melhorar a representatividade de mulheres, negros e jovens, mas a história do Legislativo brasileiro mostra que mudanças estruturais, como cotas ou incentivos, são mais eficazes que simplesmente criar cadeiras. A verdadeira motivação parece ser a manutenção de emendas parlamentares, que garantem influência política. Como apontou Damião Feliciano, “perder cadeiras significa perder peso político na correlação federativa e, portanto, perder recursos”. Isso sugere que o PLP 177/23 é menos sobre representatividade e mais sobre preservar o poder de caciques regionais.
Um Tapa na Cara do Brasileiro
Em um momento em que o governo Lula enfrenta resistência para aprovar medidas de ajuste fiscal, como o decreto do IOF (derrubado pelo Senado no mesmo dia da aprovação do PLP), o aumento de deputados é um insulto à inteligência do brasileiro. O senador Eduardo Girão resumiu: “É um tapa na cara da sociedade.” Com o custo de cada deputado federal equiparável ao financiamento de 48 equipes da Estratégia Saúde da Família (R$ 3,6 milhões por ano, contra R$ 75 mil por equipe), o Brasil poderia investir em saúde, educação ou infraestrutura. Em vez disso, o Congresso opta por inflar suas próprias fileiras, agravando a percepção de que o Legislativo é um “Congresso caro” que prioriza seus privilégios.
O PLP 177/23, agora aguardando sanção presidencial, é uma afronta ao contribuinte. Ele não resolve as distorções de representação, ignora a vontade popular e onera os cofres públicos em um momento de fragilidade econômica. A sociedade brasileira merece um Legislativo que corte gastos, não que os aumente. Cabe ao presidente Lula ouvir os 76% que rejeitam essa medida e vetar o projeto, enviando uma mensagem clara: o Brasil não pode pagar por mais políticos enquanto suas necessidades básicas seguem negligenciadas.