Em meio ao avanço das moedas digitais e à crescente competição geopolítica por influência econômica, os Estados Unidos podem ter encontrado uma nova ferramenta para consolidar sua hegemonia global: as stablecoins. Enquanto o Bitcoin desafia o sistema financeiro tradicional e os bancos centrais testam moedas digitais soberanas, as stablecoins atreladas ao dólar emergem como uma extensão silenciosa do poder americano — e, talvez, seu trunfo estratégico mais promissor no século XXI.
O que são stablecoins?
Stablecoins são criptomoedas que mantêm paridade com ativos estáveis, geralmente o dólar americano, e têm o objetivo de reduzir a volatilidade comum em ativos digitais como o Bitcoin. A mais conhecida delas é a USDT (Tether), seguida pela USDC (Circle) e outras como a DAI, de governança descentralizada. Diferentemente do Bitcoin, as stablecoins não buscam substituir o sistema financeiro, mas sim operar dentro dele, digitalizando o dólar em escala global.
Por que isso importa geopoliticamente?
O dólar é a moeda de reserva mundial desde os acordos de Bretton Woods, em 1944. Ele domina o comércio internacional, as reservas cambiais dos países e o mercado de dívidas globais. No entanto, com o avanço das tecnologias descentralizadas e o surgimento de moedas digitais de bancos centrais (CBDCs), especialmente na China, essa supremacia passou a ser questionada.
É nesse contexto que as stablecoins surgem como instrumentos de renovação e expansão da influência do dólar, permitindo que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, tenha acesso a ativos denominados em dólar — mesmo fora do sistema bancário tradicional.
Um dólar digital sem banco central
Diferente de uma moeda digital emitida pelo Federal Reserve (ainda em fase de estudo), as stablecoins são impulsionadas pelo setor privado. Empresas como a Circle (em parceria com a Coinbase) emitem stablecoins respaldadas por reservas em dólar e títulos do Tesouro americano. Isso significa que, ao usar stablecoins, investidores estrangeiros indiretamente financiam a dívida dos EUA — um benefício estratégico gigantesco para a economia americana.
De acordo com o Federal Reserve, apenas 2% das stablecoins estão sendo usadas nos EUA; os outros 98% circulam fora do país — principalmente em economias emergentes e países em desenvolvimento, onde o acesso a dólares físicos ou contas bancárias em moeda estrangeira é restrito.
O apoio político e institucional
A narrativa em torno das stablecoins está mudando. Figuras de destaque, como o investidor Scott Bessent e o governador do Federal Reserve, Christopher Waller, têm defendido que a proliferação de stablecoins atreladas ao dólar pode beneficiar diretamente a política monetária americana e fortalecer sua posição geopolítica.
Mais ainda: um projeto de lei em debate no Congresso americano propõe que emissores de stablecoins sejam obrigados a manter suas reservas em caixa ou em títulos do Tesouro. Essa medida, se aprovada, pode transformar stablecoins em veículos globais de captação de recursos para o governo dos EUA.
A resposta da China e o cenário em disputa
A China, que proibiu o uso de stablecoins e criptomoedas privadas, tem apostado na sua própria moeda digital, o yuan digital, que já está em testes em diversas cidades. O projeto visa oferecer uma alternativa ao dólar no comércio internacional e em acordos bilaterais, especialmente com países em desenvolvimento.
No entanto, a ausência de liberdade financeira e o controle estatal sobre o yuan digital limitam sua aceitação global. Nesse cenário, as stablecoins americanas, por operarem em redes blockchain públicas, oferecem transparência, liquidez e acesso irrestrito — características valorizadas em mercados abertos.
Um novo capítulo na geopolítica monetária
Assim como o petróleo consolidou a supremacia do “petrodólar” nas décadas passadas, as stablecoins podem inaugurar uma nova era do “dólar digital descentralizado” — um modelo que dispensa intermediários bancários, atravessa fronteiras com facilidade e ancora o poder dos EUA em contratos inteligentes e blockchains.
Enquanto o Bitcoin pode representar uma ameaça ao sistema, as stablecoins se mostram como a peça ideal para que os Estados Unidos liderem a transformação digital do dinheiro sem perder o controle do jogo.
Conclusão
O futuro das finanças globais está sendo moldado hoje — e não é apenas uma corrida por inovação tecnológica, mas uma disputa por poder. As stablecoins, discretas mas eficientes, têm o potencial de manter o dólar no centro do tabuleiro financeiro global por mais décadas. E se depender dos EUA, esse movimento já está em andamento.